O Fundador

Nasceu em São Paulo no dia 8 de junho de 1892. Em 1912, com 20 anos de idade, bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito de São Paulo, após curso brilhante. No ano anterior graduara-se (magna cum laudae) pela Faculdade de Filosofia e Letras de São Paulo, então agregada à Universidade de Louvain (Bélgica). No ano de 1927, com 35 anos de idade, mediante concurso brilhante, obteve o 1º. lugar com distinção, com a média geral 9,75. A Congregação da Escola, por seus onze integrantes, lhe ofertou trinta vezes a nota dez, nas três provas a que se submeteu. Foi nomeado Professor Catedrático de Direito Civil, Daí para frente, todas as turmas perante as quais lecionou receberam a dádiva de sua inteligência, do seu saber e de sua amizade até junho de 1962, ao se despedir, atingindo a aposentadoria compulsória. Despedida não só do curso de bacharelado, como também de Professor catedrático de Teoria Geral do Estado no curso de Doutoramento para o qual fora nomeado no ano de 1934.

Os rumos de sua vida, na luta diária, foram caminhos a levá-lo a armazenar, a todo momento, o seu arsenal de saber jurídico em benefício do próximo. Sua formação humanística e liberal transformou-o em espadachim na defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana. Em sua longa vida de jurista dizia que sempre jurista procurou ser, “mesmo no exercício de altos cargos públicos”. Como marca de sua trajetória de professor, jurista, advogado e homem público, palavras suas bem demonstram a beleza e firmeza de seu caráter: “Heresia é falar-se em prosperidade ou fortaleza do Estado às custas do sacrifício do homem, da privação dos direitos naturais e inerentes à sua personalidade, às custas do seu aviltamento. São legítimos os sacrifícios impostos a cada qual a bem da fraternidade nacional e universal, mas ilegítimos hão de ser havidos e contrários às leis da natureza o que lhes são impostos pela força a favor dos grupos detentores do poder, ou de qualquer fanatismo político. A paz social e universal não se constrói sobre o ódio e sim sobre o amor ao próximo, segundo os ensinamentos cristãos. Sei e sei bem que marchamos para uma nova ordem social, mas também sei que, para alcançá-la, não precisamos destruir nossa civilização cristã e democrática, não precisamos aniquilar as liberdades públicas e privadas, bastando equacioná-las na base de uma sã justiça distributiva”.

Como jurista emérito escreveu diversas obras além de estudos e ensaios. Sobre Direito Civil: Da Capacidade da Mulher Casada (1922); Direitos da Mulher Casada sobre o Produto do seu Trabalho e Posse dos Direitos Pessoais, publicadas em 1927, foram escritas, apresentadas e defendidas quando de seu Concurso de Cátedra; Direito de Família dos Soviets (1932); O Direito e a Vida dos Direitos (1952); Ato Jurídico (1961) e o primeiro volume de As Delegações Legislativas no Parlamentarismo e no Presidencialismo (1966). Na apresentação de seu clássico livro “O Direito e a Vida dos Direitos”, publicado no ano de 1952, ao completar 25 anos de cátedra de Direito Civil na Academia de Direito de São Paulo, deixou cunhadas duas frases que bem resumem a sua trajetória de jurista notável: “Procurei, acima de tudo, reafirmar os princípios gerais, cuja ignorância, quando não induz a erro, leva a criação de rábulas em lugar de juristas” e “nem pensei em afastar, de mim, a obsessão de ser claro, advertido, embora, de que a clareza tem o efeito de fazer parecer superficial. Não inferi desse aviso a conveniência de ser obscuro, para parecer mais profundo”.

Foi Ministro da Justiça no Governo Constitucional de Getúlio Vargas (1934 a 4.1.1937). Coube-lhe, em transe doloroso de nossa história, a tarefa de realizar a constitucionalização do país, com a aplicação do Estatuto Político de 1934; dar execução ao Código Eleitoral de 1933, que permitiu o voto pelas mulheres e implantar a Justiça Eleitoral criada pela Constituição de 1934. Foi na gestão desse Ministério que criou e presidiu as comissões incumbidas de redigir os anteprojetos dos Códigos de Processo, pois a Constituição, cuja vigência então se iniciava, instaurara a unidade de nosso processo civil e criminal.

Em 1950 foi Delegado brasileiro na V Assembléia Geral das Nações Unidas. Sua atuação foi de tal forma marcante, que veio a ser nomeado em 1953 Ministro das Relações Exteriores. Atualizou os métodos de trabalho e do campo de ação de nossa Diplomacia; em sua gestão foi criada a Comunidade Luso-Brasileira; incrementou a expansão de nossos intercâmbios econômicos; de modo particular se dedicou a criar condições efetivas de manutenção da paz americana. Reafirmou o princípio diplomático da autodeterminação dos povos, isto é, o direito de livre determinação, que não equivale à imposição pelo terror e pelas armas, mas à escolha do modo de vida manifestado pelo voto livre e consciente do povo através dos processos democráticos.

De 1969 a 1973, ano em que completou 80 anos de idade, presidiu a Comissão Jurídica Interamericana da OEA, na categoria de Embaixador. Como seu Presidente, desenvolveu intenso trabalho. Coube a ele apresentar, em 1969, um estudo completo sobre o terrorismo. Para ele, se é possível falar-se da existência de terroristas sinceros e convencidos de suas idéias políticas e religiosas, levando, até mesmo, a considerá-los “heróis da causa que defendem”, não se pode olvidar que sinceros, convictos, heróis, ou aventureiros, eles matam, assaltam, destroem e obedecem a comandos alienígenas, de sorte a colocarem as nações e seus habitantes por eles agredidos em uma situação de legítima defesa de suas liberdades, da vida humana, de suas instituições, de sua soberania. De suma importância, ainda, os estudos desenvolvidos sobre o Direito do Mar, com a extensão de nossa faixa de proteção até 200 milhas marítimas.

Vicente Ráo foi fundador, em 1920, do Escritório de Advocacia que tem o seu nome honrado. Escritório que continuou, depois de sua morte em 1978,, com Saulo Ramos e perdura nesta nova Casa por meio de Ovídio Rocha Barros Sandoval, seu “discípulo predileto”, seus filhos e companheiros de escritório.

“Vicente Ráo costumava trabalhar até às cinco horas da madrugada e levantava tarde. Frederico Marques, ao contrário, começava a trabalhar às cinco horas da manhã e dormia cedo. Com a alegria que sempre prevaleceu em nosso longo convívio, não perdemos a oportunidade de uma brincadeira: nosso escritório, durante as vinte e quatro horas do dia, tinha um gênio de plantão”

Saulo Ramos
SÓCIO FUNDADOR